sexta-feira, 13 de junho de 2014

Leite da alma


Sentindo-me acabrunhada antes de dormir, resolvi tomar um copo de leite. Ao pegar a caixa e despejar o conteúdo, indelicadamente derramei o precioso líquido. Após limpar a bagunça, sentei-me na cadeira próxima a mesa, disposta a sorver o restante que permanecera no recipiente. De súbito, veio em minha mente à comparação das passagens de minha existência com o conteúdo esparramado. Divaguei, assim são os sonhos, após espalhados, são perdidos, quer tenham sido realizados ou não. E o  suave líquido após absorvido, apesar de alimentar graças a sua riqueza em proteínas, lactose, vitaminas e sais minerais, sofre posteriormente um processo de fusão natural misturando-se à massa corpórea e a corrente sanguínea, expelindo os excessos, cumprindo assim a sua função natural. Porém, quando entornado, perde-se na matéria, sem cumprir o seu papel vital.  Na vida ocorre ação semelhante: os projetos realizados são incorporados ao consciente e os fracassos são meras energias perdidas, que se foram sem condições de resgate. Infelizmente não é possível juntar e aproveitar o que verteu. É irônico constatar como pensamento e matéria tem uma mesma sinergia, uma finalidade similar. No cotidiano o que deixamos passar ou o que perdemos se dissipa no tempo e no espaço, procedimento que também ocorre com as coisas, os elementos que nos servem. O que é desperdiçado seja em devaneios ou em elementos sólidos ou líquidos não pode ser recuperado. Simplesmente se vai. E tudo passa...  Com a estação, lá se vão os eventos irrealizáveis, os derramamentos desastrosos, deixando porcarias para limpar, frustrações para sanar. Estranho pensar o quanto os movimentos externos refletem na mente interior. O leite verteu, escorregou, foi sorvido pelo pano que o enxugou. Os planos, as aspirações por mim não concretizadas foram sugadas pelo inconsciente, delas restando apenas lembranças, que como o líquido espargido são passíveis de apresentar classificações sadias, azedas, aguadas, fortes, dependendo da forma como foram armazenadas.

Imagens Freepik
Voltando ao mundo real, despejei num copo o que sobrara do leite, com o intuito de bebê-lo, ciente que dali retiraria o alimento necessário para aquele momento. Ao desempenhar esta ação, senti um sopro de ânimo, um alento vindo de minha alma, como a dizer-me: aproveite o tempo que resta nesta encarnação, nutra novos sonhos, e sorva-os, transformando-os em benéfica realidade, nutrindo o espírito, da mesma forma como o pouco leite que ainda restou irá fortificar e acalmar-lhe o corpo físico. Oh! Bendito e milagroso sustento.


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