terça-feira, 22 de abril de 2014

DISLEXIA


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A Escola e a Dislexia
Conto:  Lourdes T. Thomé
Letícia retornou da escola, não quis almoçar e trancou-se no quarto. Preocupada, a mãe Laura dirigiu-se até os aposentos da filha para saber o que estava ocorrendo. Encontrou-a encolhida na cama, chorando.
- Letícia, meu amor, o que foi? O que aconteceu para você chorar assim? Perguntou Laura abraçando a garota.
Observou-a. Sua pequena era uma menininha morena, miúda, delicada, com aquele ar inocente que se tem aos sete anos de idade.
             Enxugando as lágrimas, Letícia balbuciou a resposta.
- Mãe, é que as crianças da escola disseram que eu seu sou burra.
- Como assim minha filha?
- Elas gritaram no horário do lanche:
- “A Letícia é burra. Burra! Burra! Ela não sabe ler”.
- Oh! Minha pequena. Você sabe, a psicóloga explicou para você, que algumas crianças despertam mais cedo para a leitura e outras demoram um pouco mais. Você ainda está na primeira série e apenas está iniciando o segundo semestre. Falei com sua professora e ela informou que este processo de atraso na alfabetização pode ocorrer, sendo considerado normal na primeira série. Pediu-nos para aguardar este novo período escolar, que você deverá deslanchar. Além de tudo você sempre vai bem quando executa as provinhas e os exercícios na escola.
Ante as palavras tranquilizadoras da mãe, a garota serenou, descendo para a sala, indo almoçar.
Após a refeição, Laura sentou-se no sofá, preocupada.  Percebia as dificuldades de alfabetização da filha, culpando-se por não ter paciência em lhe ensinar. Era muito difícil realizar tarefas colegiais, as mínimas possíveis, com Letícia. Ela parecia estar sempre desinteressada. Laura falava, explicava e a filha demonstrava estar desligada. Olhava para todos os lados, sem concentração, sem foco.
Recordou que até os três anos de idade a pequena Letícia ainda não falava, expressando poucos sons; apenas pedia as coisas com gestos.  Procuraram especialistas e estes não encontraram irregularidades com a saúde física da menina. Aconselharam-na a consultar um psicólogo, o que prontamente fez acompanhada do marido Eduardo. Esta profissional sugeriu que ao mesmo tempo também obtivessem a opinião de uma fonoaudióloga. Mediante estas atenções, a garota aprendeu a falar, embora invertesse constantemente as sílabas, falando errado, o que era considerado engraçadinho e típico da fase. Melhorara muito, a ponto de ao completar cinco anos de idade, a fonoaudióloga encerrar a terapia, para que a menina desenvolvesse as habilidades de comunicação sem um acompanhamento direto, considerando que estava apta para evoluir junto ao seio familiar e escolar. Letícia aprendeu a falar, a expressar suas vontades, porém, articulando poucas palavras. O estritamente necessário. Atribuíram este comportamento a timidez. Por esta razão, Laura solicitou a continuidade no tratamento psicológico. Percebia que a sua pequena era uma flor acanhada, com receio de desabrochar.  Tampouco Letícia demonstrava interesse pela leitura, mesmo que os pais lessem as histórias dos livrinhos para ela. Era um comportamento diferente dos dois irmãos mais velhos, aficionados em livros.
Algumas vezes Laura pediu a Eduardo, seu marido, que à noite prestasse atenção às tarefas escolares da filha.  O pai de boa vontade tentou, mas em vão. Era difícil trabalhar com a garota. Faltava empenho da menina, mesmo permanecendo quietinha, não observavam a existência de concentração. Permanecia dispersa, distante.
Conversando com as amigas, uma delas sugeriu a Laura, a contratação de uma professora particular, especializada no atendimento de crianças com dificuldades em aprendizagem. Indicou uma senhora de nome Irene, que atendia ao seu filho, este com insuficiência motora, informando que esta profissional era formada em psicologia, atendendo apenas a crianças com deficiência nas séries iniciais, dispondo ainda de horários vagos para aulas particulares, o que fazia indo nas casas dos clientes.
Laura considerou ser uma excelente alternativa. A professora viria em sua residência e isto facilitaria a vida da família, já que Laura e o Eduardo eram comerciantes, proprietários de lojas de roupas, com quatro unidades na cidade. Ser uma empresária, dona do próprio negócio, facilitava-lhe a vida, possibilitando flexibilizar os horários de modo a levar as crianças para a escola de manhã, buscá-las ao meio dia, almoçando no lar. Nas demais atividades como cursos extras e esportes, as crianças eram levadas por um transporte alternativo, que atendia a vários moradores do condomínio onde residiam.
Eduardo alegava que a impaciência de Laura em acompanhar as tarefas escolares da filha era devido ao fato dela ser uma pessoa muito ativa e agitada, acostumada a lidar com pessoas adultas. Consideraram que uma educadora particular seria a alternativa adequada.
Laura conversou com a pessoa indicada, sentindo segurança na qualidade do trabalho, percebendo o carinho com que ela acolhia os alunos. Contratou-a para vir três vezes por semana em sua morada para apoiar a filha. A profissional solicitou a compra de brinquedos e material educativo, sendo prontamente atendida. No quarto de Letícia, foi pregado junto à parede, um quadro branco, para ser utilizado com caneta especial. Ali no silêncio elas estudavam durante uma hora e trinta minutos. Encerrado o horário de estudo, Letícia passou a chamar as coleguinhas para brincarem de escola, já que seus aposentos continham uma miniestrutura de sala de aula. No final do primeiro bimestre relativo ao segundo semestre do ano letivo, embora as notas de Letícia fossem boas, a menina ainda não conseguira aprender a ler. Laura conversou com coordenadora do educandário, manifestando sua inquietude em relação à filha, considerando os parcos progressos, apesar do reforço e apoio que a garota estava recebendo. Pediu que o colégio ficasse atento para verificar o que ocorria, principalmente porque os exercícios passados em sala de aula e as provinhas eram todos feitos corretamente, e em casa, ela apresentava tantas dificuldades. Como Letícia conseguia fazer estes trabalhinhos e provinhas se não sabia ler, apesar dos reforços pedagógicos?
A professora da sala, Ana Carla, extremamente dedicada, resolveu proceder algumas mudanças físicas na classe. Observara que Letícia apesar de tímida tinha excelente relacionamento com os colegas. Ela possuía habilidades para esportes, brincadeiras. Sentava-se sempre ao lado dos alunos com nível de aprendizagem avançada. Tanto garotos como garotas.
A educadora Ana Carla resolveu trocar as crianças de lugar, escolhendo ela própria às carteiras que seriam ocupadas pelos alunos, bem como os colegas que sentariam ao lado. Disse à turma:
- Vamos mudar os lugares para que vocês possam conhecer outros amiguinhos. Desde o início do ano vocês estão sempre próximos a um grupo de coleguinhas. Precisamos nos unir, conhecendo um pouquinho mais outros estudantes, ampliando as amizades.
Aproveitou a ocasião para proporcionar uma aula de sociabilidade, amizade, respeito. Estrategicamente posicionou Letícia próxima às crianças com maior dificuldade em aprendizagem e que retardavam para fazer os exercícios, precisando do auxílio da professora, embora já dominassem a leitura.
Neste dia Letícia veio para casa muito brava. Falou:
- Mãe, a professora mudou os lugares. Eu não gosto dos colegas que ela deixou nas carteiras perto de mim. Eles são bobos. Não sabem nada.
- Filha, respondeu a mãe, esta é uma oportunidade conhecer outras crianças. Você poderá descobrir novos amiguinhos. Dê uma chance para você avaliar como eles são e deles demonstrarem o quanto poderão ser legais. Nós não gostamos de quem não conhecemos, não é verdade?
- Não mãe. Eu detestei. Eu gostava como era antes. Eu não quero assim.
A partir desta data Letícia passou a reclamar de ter que ir à escola o que antes fazia com satisfação. Os exercícios que deveriam ter sido feitos em sala de aula passaram a vir em branco. Nas avaliações efetuadas em classe, ela passou a tirar notas baixíssimas.
Irene, a professora particular mostrou os cadernos para Laura. Esta foi novamente até o colégio, verificar com a professora Ana Carla, o que estava ocorrendo. Juntas deduziram que na verdade Letícia não conseguira aprender a ler e, portanto, não tinha condições de fazer sozinha a tarefa em casa o que já fora comprovado, mas também não tinha habilidade de desenvolvê-las em sala de aula, tampouco em fazer as provinhas. Como era uma garota inteligente, buscou alternativas. Uma delas foi aproximar-se dos alunos mais espertos da classe e copiar as tarefas e testes destes. Ela buscara alternativas para sua deficiência, demonstrando interesse em se enquadrar no modelo aluno padrão. Estranhavam a dificuldade da menina, pois aparentava normalidade, era ágil, demonstrava vivacidade, mas não conseguia avançar no processo de alfabetização.
Letícia começou então a chorar na sala de aula, a ficar com baixa autoestima, sendo necessário reforçar o atendimento psicológico.
          Estava próximo ao final do ano letivo, quando Laura ouviu falar de uma pedagoga que trabalhava na linha da Neurolínguistica, uma nova modalidade de entender o cérebro e o comportamento mental. A neurolinguística, segundo pesquisa efetuada num dicionpario pela matrona, é a disciplina que estuda os mecanismos do cérebro humano e que possibilitam a compreensão, a produção e o conhecimento da linguagem, tanto falada como escrita.
             Esperançosa, ela marcou um horário para Letícia. Após efetuada avaliação prévia, foi dado o veredicto que os quesitos mentais, psicológicos e motores estavam dentro da normalidade. Laura manifestou:
- Então, porque Letícia não aprende a ler. Parece que ela não se interessa. Às vezes tenho a impressão que ela tem uma deficiência mental, o que os profissionais que consultei discordaram. Não entendo esse desinteresse, essa dificuldade permanente.
A pedagoga neurolinguista pacientemente respondeu:
- Laura, pense: ela não entende, portanto não se interessa. Somente passará a ter interesse no momento em que compreender. Precisamos trabalhar para levar Letícia à compreensão das letras e das atividades, aí automaticamente ela despertará. Necessito de mais algum tempo para investigar as razões que estão prejudicando o desempenho desta menina.
Felizmente a família dispunha de recursos, refletiu Laura. Então além da psicóloga, da professora particular, uma especialista em Neurolinguística foi acrescentada ao grupo de acompanhamento da criança.
Eduardo o pai, brincava:
- Minha filha aprendeu a colar na escola antes de estudar.
Laura explicou-lhe que segundo a professora Ana Carla isto era uma resposta positiva, embora sendo uma atitude incorreta, consistia numa demonstração que Letícia possuía um bom nível de inteligência, tanto que encontrara alternativas para o seu problema.
No final do ano, o Conselho de Classe do educandário se reuniu e chamou Laura para tomarem uma decisão. Letícia não aprendera a ler. Deveria avançar de série? O que fazer?
Analisaram a situação e mediante manifestação da psicóloga que atendia a garota, reprová-la iria causar sérios danos à autoestima, que estava sendo tratada no momento. Por outro lado, ela não estava apta a acompanhar o processo evolutivo das demais crianças. Diante da promessa de Laura em manter e reforçar a estrutura que atendia a filha, assumindo o compromisso que as férias seriam reduzidas e um mês antes do início das aulas Letícia iniciaria os atendimentos específicos como: aula particular, psicóloga e pedagoga neurolinguista, a garota foi aprovada para a segunda série, mesmo sem saber ler.
Laura assumiu este acordo, embora se sentisse aflita. Recordava a facilidade que a filha tinha em aprender atividades motoras ou que envolvessem expressão corporal. Andava de bicicleta sem as rodinhas, em perfeito equilíbrio. Lembrou quando aos cinco anos a filha pedira de presente um par de patins para o pai que estava viajando. Ao retornar, Eduardo trouxera o famoso par de patins, ficando ela felicíssima com o presente. Chegando à residência, ela calçou os patins, começou a andar sozinha ao redor da casa, apoiando-se nas paredes. Era verão, e as crianças do condomínio reuniam-se para brincar junto ao quiosque próximo a casa deles. Às vinte e duas horas, Laura observou Letícia deslizando habilmente de patins sobre as calçadas de passeio, entre os jardins do condomínio.  Espantou-se com a mobilidade e presteza da filha.
Laura era uma pessoa atualizada, assinante de diversas revistas informativas. Nas férias, leu um artigo sobre Dislexia, uma disfunção de aprendizagem. O texto mencionava que as crianças com este problema apresentavam complicação na fala, desenvolvendo tardiamente este sentido. Também têm dificuldade em alfabetização, trocando as letras ou sílabas e às vezes escrevem invertido, como se fosse um reflexo no espelho. Era um sábado á tarde, e após a leitura, ela teve um pressentimento; confusa Laura subiu até o quarto da filha, que estava brincando de escola com as amiguinhas.
- Oi mãe, disse Letícia sorridente, ao vê-la entrar. Olhe o que eu escrevi. A Bruna minha amiginha brincou de professora e ditou para mim.
Laura ficou pasma, olhando o quadro à sua frente. Era como se Letícia estivesse escrevendo no espelho, com as letras invertidas. Sorriu ao entender que o acaso ou o Universo a auxiliara a descobrir a razão da deficiência de sua filha. Chamava-se Dislexia. Aguardou ansiosa a chegada do marido para compartilhar a descoberta com ele.
Assim que Eduardo chegou, Laura chamou-o para conversar.
- Eduardo, eu desvendei o que a Letícia tem.  Trata-se de um transtorno de linguagem e que dificulta o aprendizado desta em leitura, soletração, escrita, linguagem expressiva e matemática. Veja, disse mostrando a revista foi nesta reportagem que eu li: aqui diz que as crianças portadoras deste transtorno recebem o rótulo depreciativo de incapaz, o que leva à baixa estima como estava ocorrendo com a nossa pequena. Não é que ela não seja inteligente, mas é portadora de um distúrbio que pode ser trabalhado e acompanhado, embora o processo de tratamento seja longo e contínuo.
Estupefato, Eduardo olhou para a esposa e disse:
- Laura, a sua dedicação e persistência auxiliou a nossa menina. Se for realmente isto, ficará mais fácil orientá-la agora que sabemos a origem do problema. Existe remédio?
- Não. Tem base neurológica, embora não seja detectado em exames. E pasme, acomete cerca de 10% da população mundial, mas muitos desconhecem a condição. É uma das razões da evasão escolar. Os primeiro sinais são demora em desenvolver a fala, e desponta na fase de alfabetização. A criança pode apresentar complicações em ler, escrever e soletrar.  Entender o texto escrito é complexo para os disléxicos. Creio que ela terá igualmente dificuldades no aprendizado de matemática daqui para frente, principalmente em decorar a tabuada. Pelo que entendi da explicação, hoje Letícia apresenta as dificuldades ortográficas, principalmente a troca de letras, inversão, omissão e até acréscimos de letras. Penso que o que ela tem é o tipo de Dislexia com Disgrafia.
Laura contou a Eduardo o que vira no quarto da filha para que ele entendesse a origem de sua dedução, além do texto lido.
Preocupado Eduardo indagou
- Como vamos tratá-la? Tem cura?
Laura com a revista nas mãos retrucou:
- Pelo que entendi, não tem cura, tem tratamentos e acompanhamentos.  O diagnóstico é feito por exclusão, por uma equipe multidisciplinar: médico, psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo e neurologista. E nós já consultamos profissionais de todas as categorias apontadas. Isoladamente não encontram anormalidades em nossa menina. Ela não tem dificuldades neurológicas, visuais e auditivas, tampouco problemas emocionais. Creio que estamos no caminho certo. Falta apenas redirecionar o rumo, precisamos de uma equipe multidisciplinar. Imagine como foram difíceis para ela durantes anos, suportando nossas cobranças às quais não tinha condições de atender. Para Letícia é como se as palavras, as letras dançassem e pulassem em sua frente. Ela percebe as letras, sílabas e palavras como se estivem borradas, com um traçado em cima, e por isto não faz sentido para ela. Daí o desinteresse. Não entende, portanto, não se interessa.
Conversaram ainda algum tempo sobre a descoberta, e combinaram que Laura já na segunda feira iria comunicar aos profissionais de atendiam sua criança sobre a dedução, para que fizessem uma investigação mais detalhada e as respectivas análises técnicas para comprovar o diagnóstico. Também consultou a fonoaudióloga para novo acompanhamento. Após o redirecionamento do caso, a equipe chegou à conclusão que se tratava realmente de um caso de dislexia. A Neurolinguista convidou a professora particular de Letícia para uma entrevista, orientando-a como encaminhar o processo de alfabetização da garota, o que fariam de forma compartilhada.
Laura e Eduardo ficaram contentes. Haviam encontrado um caminho. A equipe multidisciplinar alertou-os que disléxicos possuem habilidades especiais para as artes, o atletismo e os esportes. Deveriam ficar atentos para incentivá-la à medida que despertasse ou demonstrasse gosto para uma ou mais destas atividades.
Para Letícia, a Psicóloga e a Pedagoga Neurolinguista explicaram que ela teria um pouco de dificuldade no aprendizado em função deste probleminha. Em compensação ela possuía algumas habilidades, como por exemplo, a facilidade no aprendizado de esportes, artes. Salientaram, principalmente os esportes, por ser uma atividade que utilizava a parte motora, habilidade que ela própria já comprovara ser detentora. Poucas crianças aprendem a patinar perfeitamente e livremente em algumas horas, recordou Laura, elogiando-a. Foi-lhe explicado que a mente dela possuía capacidade de aprender, apenas precisava de uma forma diferente de explicação, pois seu cérebro compreendia a escrita de maneira especial.
A criança, ante as explicações indagou:
- Mamãe, isto é ser deficiente? É igual ao irmão da Bruna, a minha amiga?
- Não, Letícia.  Disléxico não é deficiente, apenas é diferente, embora este diferente não seja igual ao “diferente” do irmão da Bruna. Existem vários tipos de diferenças. Lembre-se sempre: todos os são seres que possuem necessidades especiais  merecem respeito. No seu caso você apenas precisa que ensinem as letras e a escrita de maneira que utilize os vários sentidos ao mesmo tempo. Você precisará ouvir e enxergar as letras, é mais ou menos assim. Lembra como a sua professora particular a Dona Irene treina aqui em casa: ela mostra as letras grandes feitas em borracha e fala. Juntas vocês montam as sílabas, as palavras, olhando e falando ao mesmo tempo.
Laura inquietou-se.  Como explicar a situação para sua filha, sem criar preconceitos ou complexos prejudicais a educação da criança?
A partir desta data Letícia foi alfabetizada, entrando na segunda série com conhecimento das letras, embora ainda com dificuldade na leitura.
A família comprovou o quanto a menina era dedicada, desde o momento em que começou a entender a explicação que lhe era fornecida.
A professora particular teve um desempenho fantástico nesse processo de alfabetização. Como o maior bloqueio era em relação à letra, a sílaba e o som, a terapia foi mediante treino da memória junto com a percepção visual e auditiva. Para estudar, Letícia lia o texto, gravava e após ouvia este texto ou as palavras enquanto escrevia. Ou a professora falava e Letícia ouvia e escrevia. O disléxico assimila muito bem tudo que é vivenciado. Assim a professora usava muito figuras de objetos para reforçar e escrever as palavras, que ela montava com as letras avulsas e grandes do joguinho que a mãe comprara. A Dona Irene mostrava a figura de uma casa. Letícia falava o que enxergava na imagem. Após pegava as letras e formava a palavra. No princípio era comum a garota inverter as letras: Exemplo: casa, ela montava as letras assim: “caas,” menino ficava “nemino”. Geralmente a quantidade e as letras utilizadas para compor a palavra estavam corretas. Somente a colocação é que ficava inversa.  Para matemática usaram um sistema de contagem em ábaco, e outras peças, tipo um jogo de víspora ou bingo. Foi importantíssima a utilização do ábaco, que é um antigo instrumento de cálculo, formado por uma moldura com arames ou fios paralelos, dispostos no sentido vertical, correspondentes cada linha a uma posição digital como: unidades, dezenas, e nos quais estão os elementos de contagem, no caso, pequenas contas. É como se fosse uma extensão de contar nos dedos. Os cálculos matemáticos a menina executava neste instrumento e somente após transferia o resultado para o papel. É uma peça barata e facilmente encontrada nas lojas de material didático.
Os anos seguintes não foram fáceis. Letícia continuou com dificuldade em linguagem escrita, ortografia e lentidão na aprendizagem da leitura. Manusear um dicionário ou uma lista telefônica era muito difícil para ela. Apenas com o avanço da informática, quando estes assuntos passaram a ser explorados via computador, é que ela obteve franca evolução. A família adquiriu vários jogos educativos com formação de palavras para auxiliá-la. A garota somente demonstrou interesse em histórias infantis, mesmo quando lidas pela mãe, a partir da quarta-série. Começaram a ler juntas, e a pequena passou a se encantar com a atividade.
Laura ainda relembra às vezes em que sua filha estudava muito para as provas, e conseguia tirar notas próximas a cinco. Voltava para casa chorando e lamentava:
- Mãe eu sou burra mesmo. Estudei tanto e só consegui tirar quatro e meio. A fulana não estuda e tira nota sete, oito.
Ante estas manifestações de aflição e decepção, Laura dizia:
- Calma filha. Lembra o que a psicóloga falou e a diretora do colégio reforçou:
- Um cinco numa prova para você, equivale a um nove ou dez para os outros estudantes. Valorize o seu esforço.
- Mãe, eu não quero isto. Não quero ser assim. Não gosto desta dificuldade.
- Oh! Minha pequena. Você precisará conviver com isto. Aos poucos irá melhorar; é como usar óculos. Precisará sempre deles. Ou no caso do diabético, tem uma vida normal, apenas necessita do remédio chamado insulina. As dificuldades não tornam as pessoas depreciativas. Não permita que a discriminem e principalmente não faça isto com você. Valorize as suas mínimas conquistas. Recorde a história que lhe contamos do famoso cientista e daquele artista que são pessoas disléxicas e conseguiram superar as deficiências, tornado-se seres admiráveis e muito especiais.
Letícia não se conformava. Felizmente e psicóloga a auxiliava a trabalhar a autoestima, geralmente afetada.
A família necessitou conversar com a escola, sobre as orientações recebidas dos profissionais relativas às formas de proteção que a legislação do país proporcionava aos alunos diferentes ou portadores de necessidades especiais. Assim conseguiram que principalmente a partir da sexta série, Letícia, caso fosse mal com as provas escritas, tivesse um complemento de prova oral.  Pelas normas do educandário, a partir da quinta série, os professores não mais procediam à leitura oral em voz alta do teste antes de ser aplicado e dos alunos preencherem os quesitos com as respectivas respostas, como ocorria nas séries anteriores. O disléxico necessita de um ledor. É complexo para ele fazer uma leitura silenciosa. A própria coordenação do colégio comentava com Laura, que quando submetiam Letícia ao teste oral com o conteúdo idêntico ao da escrita, constatavam que oralmente ela sabia as respostas das questões, obtendo notas entre oito ou nove. Comparando com a prova escrita, que ela preenchia sozinha e com leitura em voz baixa, a pontuação ficava entre três a cinco. A direção optou por somar as notas de ambos os testes, dividindo por dois, atribuindo-lhe como nota a média destas, acrescida dos trabalhos e outros critérios comuns a todos os alunos.
Ficava claro que ao estar numa sala em silêncio junto com a coordenadora ou professora, e esta aplicava falando a mesma pergunta que a garota tinha errado, ela sabia a resposta correta, apenas não havia entendido o questionamento que lera silenciosamente. Ter que escrever uma resposta também era complexo. Segundo a pedagoga neurolíguista, a melhor forma de testar os conhecimentos de um disléxico é com um ledor, isto é, alguém que leia a prova, considerando que leitura silenciosa é complicada para o disléxico. A partir das séries mais avançadas a professora da escola não efetua mais a leitura oral da prova para os alunos, conforme o sistema de ensino nacional. Daí a necessidade de condições excepcionais, conforme a família comprovara.
Laura matriculou Letícia num curso de inglês, para acompanhar suas amiguinhas. Ela não conseguiu avançar além do básico. Estes cursos por livros modulares são inadequados para disléxicos, pois estes precisam de mais tempo para o aprendizado e de uma forma diferenciada de explicação. Estudar língua estrangeira é difícil para crianças portadoras de dislexia.
Laura e Eduardo atualizaram-se sobre a Dislexia, contatando com entidades que trabalham com o problema. Estavam cientes que o aprendizado de uma segunda língua seria custoso para a filha.
Letícia desde cedo demonstrou vocação para atividades esportivas. A família a apoiou e incentivou a desenvolver esta área, onde os próprios irmãos corroboravam.
Quando Letícia concluiu o segundo grau Laura sentiu-se vitoriosa. Era o resultado do trabalho conjunto, da união familiar, da dedicação dos profissionais e da persistência da filha.
Letícia era uma vencedora. Teria novas batalhas pela frente, principalmente se quisesse cursar uma faculdade. Mas, para quem superara etapas difíceis na infância e adolescência; na juventude com maior grau de maturidade, enfrentaria os desafios de forma consciente, com probabilidade de sucesso, embora constituísse uma nova luta.
Ela aprendera e fora treinada para batalhar e a persistir em suas escolhas e decisões.
O futuro estava à sua frente, como está para todos os jovens. Bastaria enfrentar, planejar, desejar e principalmente se dedicar, trabalhar, tomar as rédeas de sua vida e projetos.
Letícia fora preparada para aceitar com tranquilidade a realidade como se apresenta, e ainda a fazer uso da sabedoria, da criatividade e da tenacidade, depositando qualidade em todos os seus empreendimentos. Estar inteiramente presente na execução das atividades mais simples às mais complexas. Concentrar-se nos objetivos, colocando a totalidade do seu ser nas tarefas que fosse executar. Isto resultaria na superação. Gostar e estar empenhada naquilo que faz, foi-lhe ensinado precocemente. Vencer desafios era uma constante para Letícia e ela estava habituada a esta situação.


 

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Brumas

 
Assim como a bruma que se vai, o tempo também se dispersa. Nuvens vão e vêm, porém, o sol sempre volta a brilhar, talvez até mais forte; e o que era cinza colore-se de um brilhante amarelo dourado. Esta pode ser uma entre tantas, definições existentes para esperança e vida.




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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Mudança na mentalidade dos educadores

Assunto: Oswaldo Rodrigues Cabral, médico, historiador, poeta e membro da Academia Catarinense de Letras e patrono  da escritora Osmarina Maria de Souza na Academia Desterrense de Letras. Texto embasado apresentação da escritora Osmarina.
     Na exposição, a escritora Osmarina mencionou o período  em que Oswaldo Rodrigues Cabral, adolescente, estudou como semi-interno no colégio particular, entidade na época mantida e administrada por padres educadores que adotavam a forma rígida de ensino, utilizando-se de duros castigos, impugnando dores físicas e morais. Ainda, no caso, faziam inúmeras reclamações do aluno junto ao seu progenitor, que por sua vez  aplicava-lhe surras homéricas.Isto tudo ocorreu durante a escola ginasial, lá pelos idos de 1920 ou pouco antes, considerando 1903 o ano de nascimento de Cabral.
  Este relato reportou-me lembranças de meu período escolar. Como Cabral eu também cursei escola normal, o estudo  mais comum de nível secundário e preparatório para curso superior.
Todavia, eu estudei desde a pré-escola até a formação de normalista em colégio de freiras, educandário exclusivamente feminino, mantido pela Congregação das Irmãs Católicas. Felizmente vivi outras épocas em que o castigo físico já havia sido abolido. Se por um lado obtive um bom índice de aprendizado com professores competentes, por outro, ressenti-me da falta de compreensão para algumas inabilidades das quais sou portadora, como por exemplo: ser desajeitada e sem graça para dança, a ponto de ser excluída na apresentação da classe numa homenagem ao dia das mães. Recordo como assisti desolada, sentada ao lado de minha mãe,  todas as demais colegas dançando no palco com uma cestinha de flores. Finda a apresentação, elas correram em busca das progenitoras  entregando-lhes as rosas  que estavam na cesta. Tenho presente, ainda hoje, a expressão desolada e a frase de mamãe:
- Todas as suas coleguinhas estavam lá no palco, só você é que não.
- A Irmã R....,ela não deixou;  disse que eu não tinha aprendido dançar, respondi chorosa.
     Entendo o quanto ela gostaria que a sua filhinha também lhe entregasse aquelas flores, e o sentimento de frustração por não eu estar incluída no conjunto. Porém, o que ela nunca soube foi à tristeza que senti por ter sido discriminada. Concordo que nos ensaios eu era atrapalhada, entretanto, penso que se tivessem me deixado bem escondidinha, lá na última fila das meninas, pouco notariam as minhas dificuldades e imperfeições.  Eu tinha apenas seis anos de idade, quando recebi  a primeira demonstração de que as escolas não eram perfeitas e os preconceitos existentes  em relação aos alunos fora do modelo padrão. Por sorte, eu era dotada de bom nível de inteligência e facilidade em escrever redações,  o que contrapôs com as demais deficiências artísticas que eu apresentava. Detestava as aulas de música e canto. Confesso nunca entendi aquelas bolinhas das notas musicais e no coral eu sempre desafinava. Para piorar, nas aulas de desenho, enquanto as meninas faziam réplicas perfeitas dos personagens da Disney, eu sequer conseguia fazer uma margem reta utilizando a régua. Para dificultar ainda mais, nas últimas séries foi incluída uma matéria de artes aplicadas, onde constavam trabalhos manuais de bordado, e tricô. Lógico, que estes trabalhos foram efetuados pela minha mãe, e quando a professora chegava perto, eu fingia que estava colocando linha na agulha, para ela não perceber a inaptidão. A desafinação de voz nas aulas de canto eu camuflava expressando um som baixo e inaudível. Já na matéria de desenho, eu aprendi a trocar estes trabalhos com as colegas; assim, elas faziam os desenhos para mim, em troca de redigir as suas redações, atividade que consistia em terror para aquelas artistas em potencial.
Comparando a passagem estudantil de Cabral com a minha, percebo que as mudanças foram apenas atenuantes nos corretivos físicos, sem existir uma compreensão das dificuldades e das multi-inteligências dos alunos. Atualmente, consideram-se as capacidades intelectuais dos estudantes, bem como, buscam desenvolver as habilidades motoras das crianças. Isto é um grande avanço, embora a educação necessite de alterações constantes em sua metodologia em face de necessidade de acompanhamento no desenvolvimento social, cultural,intelectual e tecnológico que ocorre no mundo.
      Apesar dos relatos, sou grata aos meus pais que fizeram um enorme sacrifício para pagar o ensino particular, com o intuito de proporcionar a melhor educação. Claro que no colégio haviam também as alunas preferidas das freiras, pela  relevância social e financeira  de suas respectivas famílias na pequena cidade.
    Fui criada numa família simples, mas com muito afeto. Meu pai abominava castigos físicos e jamais me bateu. Já naquela época, meus progenitores detinham um pensamento avançado para o espaço em que residiam. Eles me incentivaram a estudar, a cursar uma faculdade e a adquirir uma profissão. Não queriam sua filha dependente do rendimento de cônjuge, ou desesperada em arrumar um marido que a sustentasse.  Consideravam importante a independência financeira da filha.
   Como a biografia de Oswaldo Rodrigues Cabral comprova, somos o resultado do meio e trazemos na bagagem  a força das vivências adquiridas e deste conjunto resultam nossas atitudes  e o que nos tornamos no campo pessoal e profissional.  Uma frase do escritor que ressalta a  energia marcante dos primeiros anos nos bancos escolares, foi a que escreveu após ser expulso do Colégio Catarinense:
_”  Neste dia considerei o meu 13 de maio. Foi a minha libertação.”
     A despeito das experiências negativas, sempre gostei de estudar, frequentando assiduamente a biblioteca do Colégio e minhas recordações não são de todo traumatizantes. O que compreendi neste comparativo é o valor  da escola e o quanto esta é determinante para as crianças e adolescentes. Daí advém à responsabilidade dos educadores e a necessidade do  acompanhamento familiar nesta etapa. Considero que se houver alguma “libertação” que esta ocorra com a diplomação e consequente mudança para o exercício profissional. Afinal, com a celeridade das mudanças atuais, somos e seremos eternos alunos, sempre carentes de bons mestres e novos aprendizados, sem esquecer a inclusão social e de aceitar as diversidades. Somos seres humanos, cada qual com seu próprio molde, que poderá ser aperfeiçoado, porém, jamais olvidado.



Lourdes e Pai/Formatura Curso Normal

Lourdes e Pai/Formatura Curso Ginasial