Dona Catarina era uma vovó daquele tipo
bondoso, aspecto delicado, olhos azuis claros, cabelos totalmente brancos, que
por serem longos, ficavam presos num coque. Morava numa casinha, situada em um
belo sítio, rodeada de árvores frutíferas e jardins, além das plantações de
hortaliças, cuidadas pelos trabalhadores contratados, cujas famílias residiam
em habitações próximas. Ali
os animais bem tratados, eram compostos por: vacas leiteiras esbaldando-se nos
pastos, cavalos passeando pelos campos delineados, galinhas cacarejando nos
seus terreiros, cães correndo soltos. A rotina transcorria ordenada, até que a
tranquilidade foi quebrada com a tristeza pela morte, em acidente
automobilístico, de seu único filho, que perecera juntamente com a esposa.
Sobrevivera um neto, um garoto de oito
anos chamado José Luiz, cujo apelido era Zézico. O menino ficara prostrado com
a perda dos pais e a mudança repentina, saindo da grande cidade, indo residir
no campo junto da avó, a parente que lhe restara. Zézico passava a maior parte
do tempo no quarto, jogado sobre a cama, alimentando-se muito pouco. Até o
médico fora chamado, mas nenhuma doença grave foi constatada. O problema era a
tristeza, a dor da alma.
Numa tarde, a gentil velhinha
entristecida, deitou-se na sua rede favorita, preocupada em encontrar
alternativas para ajudar o netinho.
Adormeceu e sonhou que ela era um anjo, e
como tal, teria poderes de criar um ser especial, um super-herói capaz de
comunicar-se com a criança que se mantinha isolada, calada, refugiada num mundo
interno de dor e saudade.
Sentindo-se leve, na roupagem e com as
asas do anjo em que se transformara, ela foi voando até o quarto onde o pequeno
jazia prostrado, numa agonia e silêncio profundo, que nem a medicação
conseguira melhorar. Do alto das paredes, ela observou o menino que permanecia
com os olhos abertos, porém, imóvel. Então, usando seus poderes mentais
manifestados em sua forma angelical, a vovó Catarina, entrou na mente do
netinho, lendo seus pensamentos aflitivos:
– Ah! Como estou infeliz, lamentava-se
ele. - Não tenho mais família; os pais que eu amava se foram; mudei de
residência, de cidade, perdi também os amigos, nada restou. Eu não mais tenho
razões para viver. Quero só ficar aqui, quieto sobre a cama, esperando morrer e
assim, poder reencontrar aqueles a quem tanto amo e perdi.
A avó, personificada num anjo invisível ao
ser humano, acariciou ternamente a face do garoto, que sentiu apenas um leve
arrepio, como se fosse à carícia da mão abençoada de sua mãe. Quebrou o mutismo
e murmurou:
– Mamãe, é você? Você veio me buscar?
E sentindo um toque conhecido nas mãos,
indagou:
– Papai, você também está aqui? Você e a
mamãe vieram me buscar para voltarmos a ser uma família?
Como por milagre e inspiradas por uma
criatura superior, o pequeno José Luiz, ouviu mentalmente as vozes de seus pais
explicando:
– Amado filho, nós estamos aqui para
dizer-lhe que ainda não é a sua hora de partir. Você tem uma tarefa a realizar
neste planeta. Porém, você nunca estará sozinho. Nós estaremos junto a você,
cada vez que pensar em nós. Estas foram as palavras afetuosas sussurradas
por sua mãe.
Então, o pai, em tom enérgico, todavia
amoroso, concluiu:
– Filho, levante e permita-se ver a beleza
da natureza lá fora. Você tem a companhia da sua avó que não o deixará sozinho
e ela representa um anjo bom, que zelará pela sua pessoa. Cada vez que ela o
abraçar, sinta como se eu e sua mãe o estivéssemos fazendo. Ela nos representa
neste mundo, portanto, não nos deixe apreensivos com seu comportamento recluso.
Aceite o afeto que a vovó lhe oferece. Permita que ela o ame, e ame-a
igualmente. Nós prometemos que providenciaremos um amigo para acompanhá-lo nas
brincadeiras e nas caminhadas pelo sítio. Agora precisamos ir. Fique em paz e
com saúde, amado filho.
Feito isto, o anjo que representara por
momentos a figura dos pais falecidos do deprimido garoto, beijou-lhe a face, e
retornou à rede, onde a atribulada vovó descansava. Ainda sob o efeito do
sonho, dona Catarina, sentindo-se uma figura angelical, perguntou:
– O que devo fazer para trazer alegria ao
meu neto? Gostaria de dar-lhe um presente, quiçá um amigo, um ser que constitua
num estimulo para superar esta fase difícil.
E mantendo a personificação de anjo, ela
voou por entre a propriedade à procura de um ser especial. Como se fosse
guiada, ela pousou o olhar sobre um filhote Cocker Spaniel Inglês, um tipo de
cão de pequeno porte, capaz de mover-se com desembaraço por terrenos e com
excelente olfato. O animalzinho deveria ter cerca de seis meses de idade, mas
já corria solto pela vegetação, deixando suas marcas.
Aproximou-se delicadamente e como anjo
oculto inquiriu:
– Cãozinho, você quer me auxiliar a cuidar
de um garotinho que está sozinho e melancólico?
Entendendo a mensagem do ser especial que
tocava em seu pelo, o cãozinho, animado abanou o rabinho, articulando:
–Sim, eu aceito a tarefa. Serei seu
colaborador e o guia companheiro da criança que você que ajudar.
– Ótimo, então eu o declaro um cão
Super-Herói. A partir de agora você irá se comunicar com o menino Zézico, e
ficará sob sua responsabilidade alegrá-lo.
O cachorrinho saltitou alegremente, em
agradecimento a honraria que lhe fora concedida.
– E onde eu encontro este garoto? Soçobrou
ele.
– Venha comigo que irei lhe mostrar onde
ele está.
E unidos voaram até o quarto onde o
soturno menino repousava.
Enquanto isso, Dona Catarina, ainda
adormecida, sentiu uma brisa suave sob seu corpo, um farfalhar como se uma
energia desprendia de sua mente, e foi aos poucos acordando.
– Eu sonhei que era um anjo?
Interrogou-se, respondendo ao mesmo tempo.
– E como anjo eu pude ajudar o Zézico. Oh!
Como seria bom se isto fosse real.
Divagando, ela expressou:
– E na forma angelical eu até providenciei
um cãozinho para ser amigo do meu querido netinho. Que maravilha!
A velha senhora levantou-se vagarosamente,
espreguiçando-se. Adentrou a casa, dirigindo-se até os aposentos da criança.
Estranhou que a porta estava aberta, e ainda mais por ouvir a voz do garoto,
que insistia em permanecer mudo há tanto tempo. Maravilhou-se com o quadro
delineado sob seu olhar.
Zézico sentado no chão, tendo em seu colo
um filhote de cachorro da raça Cocker. O menino indagava em voz sonora:
–Você quer ser meu amigo? Se quiser, abane
essas orelhas grandes que entenderei como um sim.
Espantada, a avó percebeu um gesto no cão,
assentindo com o corpo, numa resposta positiva.
O neto sorriu ante o gesto afirmativo do
animal, e complementou:
– Então, dê-me sua pata, e a partir de
agora selamos a nossa amizade. Diga-me, você tem um nome?
O cãozinho levantou a uma das patas e
olhou para a criança, ao que ela anuiu:
– Isto é um sinal; somos companheiros a
partir de agora. Acho que você ainda não tem nome. Bem, penso em chamá-lo
de Rob, isto é um diminutivo para Roberto, que era o nome do meu pai. Você
gosta deste nome?
Ante o latido do cachorrinho, o garoto
sorriu, pronunciando:
– Muito prazer amigo Rob. Eu sou Zézico.
Preciso arrumar um espaço para você dormir em meu quarto, já que me fará
companhia.
E puxando um tapete felpudo que havia
próximo ao leito, ele proferiu:
–É aqui que você irá dormir!
Somente então, Zézico percebeu a presença
da avó na soleira da porta. E quebrando um longo período de mutismo e
padecimento, a criança comunicou-se com a avozinha:
– Olhe vovó, que cãozinho lindo, e é um Cocker
Spaniel Inglês. O papai sempre me contava que tivera um quando era criança.
Agora eu também tenho igual, e foi ele quem me encontrou. Veio sozinho até o
meu quarto, acordando-me com seus latidos. Como ele é esperto!
A velha senhora emocionou-se, lembrando-se
do sonho. O anjo da guarda realmente incorporara em seu ser, e ele trouxera do
canil o pequeno animal até o neto, ou será que fora ela, a avó em pessoa quem
buscara o Cocker?
Não tinha lembrança de tê-lo feito,
portanto, a vinda do cãozinho até o Zézico fora realmente uma obra do ser
angelical, que em sua passagem também atribuiu ao pequeno animal os poderes de
um Super-Herói, capaz de criar um elo de comunicação, iniciando a superação da
tristeza e o redespertar da energia da vida no órfão. O Rob era o Super-herói
extraordinário que acordara o neto para a continuidade da existência,
possibilitando aceitar as adversidades e lutar enfrentando a tragédia que
ocorrera.
Ouviu a voz do neto, desta vez mais
segura, a indagar-lhe.
– Vovó, eu posso levar o Rob passear lá
fora? Quero ensinar-lhe a correr atrás das borboletas.
–Claro querido, vá. Está uma linda tarde.
Aproveite a pujança e o benefício da luz solar. O Rob irá adorar correr por ai,
isto faz parte de sua natureza. Creio que vocês farão uma bela dupla!
Ante a saída intempestiva do garoto
acompanhado pelo cachorrinho, dona Catarina ergueu as mãos para o céu, dizendo:
– Obrigada meu anjo da guarda pela ajuda e
por ter designado um amigo super-herói como o cãozinho Rob para acompanhar e
alegrar o Zézico. Agora eu sei que ele está pronto para recomeçar.